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The Guardian evidencia suas origens escravistas e anuncia reparações

Fundador do jornal tinha ligações com o escravismo. Foi criado um fundo para projetos e formações

O jornal inglês The Guardian divulgou no fim de março os resultados de uma pesquisa encomendada pela organização sem fins lucrativos que o financia, o Scott Trust, sobre vínculos históricos do periódico com o escravismo. A investigação demonstrou que o jornalista John Edward Taylor, responsável pela criação do jornal em 1821, tinha parcerias com empresas de manufatura e importação de algodão feito com trabalho escravo. Além disso, 9 dos 11 primeiros financiadores do Guardian eram ligados a esse comércio.

Realizada pelos pesquisadores Sheryllynne Haggerty, Cassandra Gooptar e Trevor Burnard, a pesquisa surgiu em decorrência dos protestos do movimento Black Lives Matter, cujo estopim foi a morte de George Floyd, cidadão americano que, em 25 de maio de 2020, foi estrangulado por um policial.

As manifestações tiveram alcance internacional e contaram, na Inglaterra, com a derrubada da estátua de Edward Colston, comerciante ligado à filantropia e ao tráfico de escravos. Esse cenário, diz o Guardian, “impeliu muitas organizações a examinar as suas próprias histórias no que se refere ao escravismo transatlântico e o colonialismo”. A mesma autocrítica se fez necessária ao jornal, que “cobriu esse movimento extraordinário [o Black Lives Matter] nas linhas de frente, mas não poderia fazer isso sem também olhar para si mesmo”.

Como resposta a essas descobertas, o jornal, além de um pedido de desculpas dos seus proprietários, anunciou um fundo para o financiamento de projetos nas ilhas a sudeste dos Estados Unidos e na Jamaica pelos próximos dez anos, ação que será trabalhada com especialistas e representantes locais.

O fundo também ampliará a formação em jornalismo já realizada pelo Guardian, assim como “o escopo e a ambição” da cobertura feita pelo jornal no Caribe, na América do Sul, na África e em comunidades negras nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ainda mais, foram lançados materiais que se aprofundam nos dados da pesquisa: a minissérie jornalística Cotton Capital e o suplemento impresso homônimo.

E no Brasil?

A jornalista Dorrit Harazim, em O Globo, comentou essa atitude do jornal na coluna “Nosso Umbigo“, situando a problematização do Guardian em território nacional:

E no país que recebeu o maior fluxo escravagista de negros da África? Nas redações deste Brasil em que 56% da população se declara negra ou parda, a mesma representatividade despenca para tímidos 20% entre os profissionais de jornalismo. Como conciliar tamanho distanciamento social com um jornalismo que precisa injetar confiança e confiabilidade em seus leitores?

Esse contrato não escrito com a sociedade, por parte de uma imprensa madura, exige determinação para exumar o passado, clareza para analisar o presente e imaginação para apontar o amanhã. O Guardian está tentando. O momento atual parece excelente para também aqui o jornalismo profissional se repensar de ponta-cabeça. Começando pelo próprio umbigo. […]

Mais informações sobre a pesquisa do Guardian podem ser lidas neste texto de Cassandra Gooptar.

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