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Retrato do Jornalismo #1

Vou colecionar retratos literários e artísticos do jornalismo, pelos quais eu acabo passando enquanto leio ou assisto coisas. Este primeiro vem de O Balneário, do espanhol Manuel Vázquez Montalbán. O escritor  desenha jornalistas que estão atrás de “mercadoria informativa”, que chegam de assalto, em bando, que invadem, procurando dados por todas as frestas.

(…) Na manhã seguinte ao aparecimento do cadáver de madame Fedorovna, dois vigias pegaram um repórter da Interviu no momento em que pulava o arame farpado que demarcava a fronteira entre o Balneário e a natureza livre do morro da Alfarrobeira. Foi o primeiro sintoma de que a notícia do que acontecera no Balneário tinha se transformado em mercadoria informativa, e horas depois uma caravana de carros cheios de jornalistas e fotógrafos chegou às portas da propriedade, detida ou contida por um cordão de guardas civis e seguranças que afirmaram estar cumprindo ordens. Não foi a balbúrdia dos jornalistas protestando que chegou até a área da piscina, e sim o ronrom de um helicóptero que sobrevoou o Balneário enquanto os banhistas cobriam as suas vergonhas e protestavam contra as presumíveis fotografias que estavam lhes tirando das alturas. Os hóspedes do lugar estavam com a consciência dividida: por um lado desejavam ser fotografados e assumir publicamente um papel de protagonista que muitos deles já tinham em reduzidas esferas da sua atividade profissional, e por outro lado temiam o dano que aquela publicidade poderia causar ao seu prestígio profissional, comercial e industrial.

Enquanto isso os jornalistas tinham montado um verdadeiro acampamento delimitado por seus carros, alguns das dos quais dotados e telefone e em condições de transmitir para a redação as notícias sobre as restrições que o seu trabalho encontrava. Primeiro tentaram extrair informações dos guardas civis e dos seguranças, depois tomaram de assalto as caminhonetes de fornecedores que entravam no lugar ou saíam dali, e se penduravam na janela para pedir aos motoristas que lhes dessem notícias do que estava acontecendo lá dentro. Alguém ligou uma rádio FM que só transmitia música e pouco depois os fotógrafos unissex dançaram juntos entre os gritos dos seus colegas. Abriram-se garrafas de uísque e de vinho, e um comando partiu para Bolinches com a missão de comprar presunto, pão e queijo.

— O assédio será longo, mas daqui ninguém nos tira. (…)

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