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Quem é Slash? Sobre os horizontes e deveres do jornalismo

A cerimônia do Oscar de 2024 trouxe consigo uma pequena polêmica, em torno da matéria “Quem é Slash, o guitarrista que tocou com Ryan Gosling no Oscar 2024“. Dada a relevância do guitarrista do Guns n’Roses para o rock e a cultura pop, muitos consideraram absurdo que se explique quem é Slash. Diante disso, outros apontaram que os mais jovens não sabem mesmo quem é o músico, cujo auge foi há três décadas; a isso, se retrucou que eles deveriam saber. Do ponto de vista do jornalismo, qual a posição mais acertada? A Quem teve uma abordagem correta ou não? As respostas a essas questões são, respectivamente: depende e provavelmente, sim.

Depende, pois o princípio que guia o jornalismo não é “como devemos falar sobre alguém”, seja um artista, um político ou outra classe de pessoa, mas sim qual a necessidade de informação do público que temos em vista. O que os nossos leitores podem precisar saber e podem desejar saber. Sabendo ou presumindo seu público, o jornalismo vai ao encontro dessa necessidade. Assim, é improvável que uma revista como a Rolling Stone sentisse a pressão de informar sua audiência sobre quem é Slash: dirige-se a aficionados por música, muitos deles formados no rock, que marca a história da publicação. Mas e a Quem, a quem se dirige? São essas pessoas o seu critério.

 

Se concedemos que Quem sabe seus destinatários, não se pode dizer que provavelmente, sim, acertou? O site cobre entretenimento: em música, só aborda k-pop (a se guiar pelo menu principal); além disso, fala de “Big Brother Brasil, novelas, realeza, viagem, comida, saúde, beleza, séries e filmes”. Por que se assumiria que os públicos atraídos por esses temas sabem algo do rock?

Não se trata de dizer que quem assiste ao BBB ou quem vê novelas da Globo não pode ouvir Guns n’Roses (que, aliás, só integrou trilhas de folhetins da emissora em 1989, com O Sexo dos Anjos Que Rei Sou Eu?). E sempre haverá quem no streaming suceda “Dynamite” a “Paradise City“. Contudo, o jornalismo deve partir de um mínimo denominador comum – ao qual chega tanto por dados mais ou menos objetivos e convivência com o meio que cobre quanto por intuição e normas da comunicação simples – e não pressupor mais conhecimento do que o que é provável.

De novo, isso muda com o contexto. Em uma publicação dedicada a cobrir o BBB, é pouco razoável dizer quem é Tadeu Schmidt, na medida em que o apresentador compõe um nível básico do saber compartilhado sobre o programa. Em uma revista de cinema, seria mesmo ridículo explicar que o Oscar é uma premiação de filmes. Em toda produção jornalística, há avaliações – muitas vezes feitas no calor da hora – sobre o que precisa de mais suporte, de mais esclarecimento, de mais contexto. Ou ainda, do que gera curiosidade, do que o público pode gostar de saber. O jornalismo sempre têm diante de si esses vários horizontes comunicacionais, que sugerem formas múltiplas ao conteúdo.

Por que assumir que quem é fã de Ryan Gosling, ou quem gosta de musicais como La La Land, ou quem adorou Barbie sabe quem é Slash? Independentemente da importância histórica do músico – que é informada pela Quem e que, aliás, é certamente o que sugeriu a pauta –, uma matéria jornalística se orienta por importâncias específicas, localizadas; não um valor supostamente geral, mas o que tem valor para essas pessoas com quem me comunico. E pode haver grupos para os quais Ryan Gosling seja muito mais relevante que Slash, e nesse caso a notícia nunca será que Ryan Gosling tocou com Slash no Oscar, mas que Slash tocou com Ryan Gosling no Oscar.

A mesma informação, ênfases diferentes, pois o público é o critério. Por isso, não há um modo pelo qual devemos falar sobre Slash que seja definido pela opinião de instâncias bem-informadas, como a crítica; sem dúvida, há aí pontos de vista esclarecidos que é preciso acessibilizar – entretanto, não determinam a forma e o vetor da matéria. Igualmente, não cabe ao jornalismo julgar o que o público deve saber, seu papel é conduzi-lo a saber, apoiá-lo na sua procura por saber. São esses deveres estranhos ao jornalismo; o que devemos é servir o leitor.

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