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A Capacidade de se Maravilhar

Tenho feito uma série de entrevistas para o Itaú Cultural: conversei com as artistas plásticas Regina Silveira e Ana Maria Tavares para produzir o mais recente hotsite do projeto Ocupação; entrevistei os artistas que participaram da 6ª mostra On_Off, que é centrada em performance, videoarte e live images (edição de vídeo ao vivo); e atualmente tenho gravado com os selecionados pelo Rumos Cinema e Vídeo. Aprendi bastante coisa no processo, desde a pesquisa prévia (no instituto, há tempo considerável para se pautar, o que garante certa qualidade do produto final) até as exigências dinâmicas da gravação em si. Com esse post, eu consolido esse aprendizado: como abordei os projetos, estruturei, pesquisei; como me ajudou o teórico na hora do prático. Serve muito como ponto de troca — se vocês quiserem compartilhar experiências, o texto está aberto para isso. Vamos lá.
Para o On_Off, falei com os artistas William Basinski, Scanner, Lise + L_ar, Julien Maire, Charles Atlas e Bruce McClure. Conhecendo muito pouco sobre o tipo de arte que eles produziam, mergulhei no tema através de uma leitura dedicada do catálogo. Passei pelas edições anteriores da mostra, lendo e pesquisando via google outras informações sobre os selecionados anteriores. Fui recolhendo palavras que me pareceram ser importantes no tema live images (que dariam os caminhos para que eu me aprofundasse mais depois) e conhecendo obras que tinham registro em vídeo. A coleção de links na lateral do site surgiu já nesse início.
Para o Ocupação Regina Silveira, o processo foi semelhante senão mais intenso, já que se tratava de um perfil mais detalhado de uma única artista. Eu tinha o ótimo modelo dos Ocupações anteriores, nos quais trabalhou a jornalista Lara Alcadipani (repara a quantidade de informação e reportagem, por exemplo, nas edições Rogério Sganzerla, Chico Science e Zé Celso); naveguei pelos sites e daí retirei uma estrutura semelhante para o meu projeto, que eu devia preencher. Novamente, a pesquisa deixou rastros no resultado final: no item “Referências”, você vê vários dos links que me embasaram ao longo de todo o trabalho.
Esse estudo todo me lembra uma coisa que disse o jornalista Gustavo Klein, quando o entrevistamos para um trabalho da faculdade. Falando sobre as matérias extensas feitas para a AT Revista, Klein afirmou que era como se fizesse um curso de determinado assunto toda vez que mergulhava em uma grande reportagem. Uma especialização rápida, seguida do uso, a qual segue outra especialização. Gosto dessa ideia de se jogar em um tema desconhecido. No terceiro ano da universidade, por exemplo, fiz essa matéria sobre medicina ayurvédica sem saber nada, a princípio, sobre o que era isso, e aceitei a pauta justamente por não saber.
Background
Cansa, claro. E há também outra situação: enriquece, tanto a gente quanto a matéria, trabalhar com temas sobre os quais entendemos. Não só pelo prazer, mas porque o background permite atentar a detalhes e perceber tendências que outros repórteres talvez não notassem. Por exemplo: estou estudando na Filosofia alguns temas da estética. Li O Pintor da Vida Moderna, de Charles Baudelaire, e Charles Baudelaire – um lírico no auge do capitalismo, de Walter Benjamin, o que me ajudou na produção de entrevistas para o Rumos Cinema e Vídeo, primeiro na construção das perguntas e segundo na interação com o entrevistado.
Quando pensei nas perguntas a fazer para Daniel Lisboa, diretor de Cellphone, lembrei do conceito de multidão, flagrante em Benjamin e Baudelaire, que o entendem determinante para a visão de arte moderna. Cellphone é um documentário com várias narrativas, conversas gravadas por telefone entre atores e indivíduos interessantes de Salvador. Me ocorreu perguntar se era isso que o artista queria: uma história contada pela multidão. Aproximei essa conclusão de Fama e Anonimato, de Gay Talese, em que se perfilam homens comuns e famosos e a própria cidade, e fui com isso para a entrevista. Sugeri a certo ponto: acaba sendo um perfil da cidade, não? — e eis que ele concorda, e passa um bom tempo discorrendo sobre assuntos relacionados. Descartou no processo a ideia de multidão, não era próximo disso, mas a suspeita causada pela leitura anterior me levou a toda uma riqueza.
Outro exemplo foi a entrevista com André Guerreiro Lopes, que fez O Voo de Tuluqac. O filme é um registro do comportamento fascinante de corvos no Alaska. O modo como voam, o jeito de se deixar cair como uma pedra para depois se desenrolar e voltar a planar, tudo é muito poético. No início da gravação, André disse que “estava no local certo, na hora certa”, mas é evidente que se precisa de uma certa sensibilidade para documentar o que documentou da forma como o fez. Guardei isso. Também guardei o entusiasmo com que ele falava do filme, das reações do público e, principalmente, da pesquisa que fez, avançando pela mitologia e pela ciência. No texto de Baudelaire, a curiosidade é vista como fundamento do artista. Perguntei sobre o que ela significava para o diretor. O resultado foi benéfico em duas vias: descortinou toda uma dimensão sobre ele e fugiu um pouco das respostas que sei que ele já se acostumou a responder sobre a produção. Mais do que isso: foi interessante ver como ele descreveu ideias baudelarianas, dois séculos mais tarde, com uma posição tão dependente da antiga quanto renovada.
Depois de tudo, acabo separando em dois itens — pesquisa e background — algo que talvez seja uma coisa só: o mesmo interesse frequente, que se alimenta a si mesmo. Não que eu seja o último gênio do planeta e o domine completamente: parece que é algo que se tem de buscar de novo e de novo. O diretor de O Voo de Tuluqac a certa altura destacou uma qualidade para o artista que também serve ao jornalista: o “sense of wonder“. A capacidade de se maravilhar.

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