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Escolher não escolher

O texto “Pra que ler jornal de papel?“, deste blog, foi republicado há algum tempo no Digestivo Cultural. Lá, sugiram alguns comentários interessantes, vale a pena dar uma olhada. O artigo confronta jornal impresso e os meios de comunicação mais jovens, encontrando um valor no antigo que não há no novo.

A internet não é um percurso. É o mar aberto. (…) uma das utilidades que vi nos jornalões: me manter em um rumo (…). Nessa sugestão de caminho, encontramos a segunda utilidade: ao longo das editorias, sou apresentado a assuntos que eu não procuraria virtualmente, e, assim, nunca saberia deles. (…) A internet é como o mar de certo conto de Poe: te drena em uma espiral e te afunda. No fim das contas, ela te dá mais e mais de você mesmo.

Quem quiser repensar tudo por outro ângulo, deve ler essa matéria do NY Times: “Youtube wants you to sit and stay a while“. O paralelo fica evidente nesta passagem:

YouTube faces a huge obstacle: very short videos are unlikely to hold interest when watched in long sequences. (…) The end of a program — whether it has lasted two minutes or two hours — invites consideration of doing something else. In YouTube’s case, of course, the end comes often. Jamie Davidson, a YouTube product manager, says that the 15 minutes of daily viewing by a user typically involves six videos, with the conclusion of each presenting “a decision point, and every decision point is an opportunity to leave”. “We’re looking at how to push users into passive-consumption mode, a lean-back experience,” Mr. Davidson says.

A atenção ao site tem chance de morrer a cada vídeo assistido; frente a isso, empresários pensam em oferecer listas de reprodução ininterruptas, e atrações mais extensas, de modo a criar uma experiência de lean-back, oposta a de lean forward. Segundo o Google providencialmente me informa, o El País, em “La Red desafía el reinado de la televisión“, definiu os termos assim (outra definição aqui):

La navegación en la Red incita a un tipo de consumo multitarea opuesto a la actitud acomodaticia del televisor. Algunos analistas sostienen que está emergiendo un nuevo modelo de telespectador. Junto al tradicional, acostumbrado a recibir los contenidos (denominado lean back por la posición reclinada en el sofá), nace el otro espectador multipantalla, habituado a buscar lo que quiere consumir (llamado lean forward, inclinado sobre el teclado).

A ironia é que um gigante da web queira por os usuários em um “modo de consumo passivo”. No NY Times, é dito que: “se a mente está muito ocupada com o processo de escolha, isso tira parte da experiência de assistir”. Voltando ao texto dos jornais do papel, outra complicação pode ser encontrada em Sobre a Filosofia e outros Diálogos, livro que reúne diálogos de Jorge Luís Borges e Osvaldo Ferrari. Enquanto aqui estamos pondo o jornal como leitura menos superficial, o escritor argentino, em 1985, diz: “O jornal é lido, bem, para o esquecimento; se ouve o rádio de modo efêmero, mas o livro é lido com uma forma de respeito. O livro parece ser algo permanente”.
À primeira vista, só a defesa algo maníaca da sacralidade do livro. Mas não. Os diálogos desse livro foram primeiro transmitidos pelo rádio, depois impressos nos jornais, e então reunidos em livro. O que resulta dizer que o que valia ser esquecido era igual ao que era efêmero que era igual ao respeitado, ao permanente. Talvez seja a postura de quem assiste ou lê que importe, não? Que de um meio lean back alguém tenha uma experiência lean forward, ou o contrário. Sempre se escolhe; se escolhe até mesmo não escolher.

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